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A tatuagem é uma forma de expressão corporal amplamente difundida em todo o mundo e carregada de significados culturais, pessoais e artísticos. No entanto, no contexto do mundo do crime, as tatuagens podem assumir funções específicas, simbolizando hierarquias, facções e até mesmo atos criminosos.
Histórico e Contexto Cultural
A relação entre tatuagens e o universo criminal não é recente. Em várias culturas, tatuagens eram usadas como forma de punição ou identificação de criminosos. No Japão feudal, por exemplo, marcas permanentes eram feitas na pele de criminosos como forma de ostracismo social.
Na época moderna, especialmente no Brasil e em outros países da América Latina, tatuagens adquiriram conotações associadas ao crime organizado, como sinalizadores de pertencimento a facções ou demonstração de experiências vividas dentro do sistema prisional.
Significados e Códigos
No mundo do crime, as tatuagens podem funcionar como um código visual. Cada imagem ou símbolo carrega um significado que pode variar de região para região ou entre diferentes grupos criminosos. Alguns exemplos incluem:
- Tatuagens de palhaço: Frequentemente associadas a criminosos que praticam roubos, especialmente em caixas eletrônicos ou assaltos.
- Taz-Mania: Taz-mania é um demônio da Tasmânia conhecido pelo desenho produzido pela Warner Bros. na década de 90. O personagem, que corre em rápida velocidade e causa pânico e confusão por onde passa, é tatuado por praticantes de furtos e roubos coletivos, geralmente realizados durante os famosos “arrastões”.
- Papa-léguas ou Ligeirinho: A figura destes personagens é utilizada por criminosos que fazem uso de motocicletas para distribuir drogas ou armas nas regiões onde atuam. São famosos por fugir de abordagens policiais em alta velocidade, muitas vezes conseguindo descartar os objetos ilícitos durante a fuga.
- 1533: A numeração faz referência à 15ª letra do alfabeto (P) e à terceira (C). É usada por membros do Primeiro Comando da Capital (PCC), organização criminosa presente hoje em todos os estados do Brasil.
- Palhaço: Simboliza a prática de roubos, formação de quadrilha e assassinato de agentes da segurança pública. Quando tatuado com lágrimas, indica a morte de amigos ou parceiros; cercado por caveiras, indica um “orgulhoso matador de policiais”.
- Pênis: Frequentemente tatuado em estupradores sobreviventes no sistema prisional, simbolizando sua vulnerabilidade e o desprezo coletivo.
- Faca na caveira: Representa matadores de policiais e é ostentada com orgulho por criminosos como um símbolo de enfrentamento ao sistema.
- Arame farpado: Associado a traidores ou indivíduos “fura-olho”. Com uma serpente envolta, indica que o indivíduo é considerado traiçoeiro.
- Pontos: Indicam diferentes tipos de crimes, dependendo da quantidade e local da tatuagem, como furto, tráfico ou homicídio.
- Lágrima no rosto: Homenageia companheiros ou familiares mortos. Se não preenchida, indica vingança inacabada.
- Sereia: Indica crimes de abuso sexual ou estupro, dependendo da localização no corpo.
- Aranha: Representa pertencimento a quadrilhas voltadas a roubos ou sequestros.
- Polvo: Refere-se a indivíduos que cometem diversos crimes e têm habilidade para escapar da polícia.
- Saci-pererê ou Duende: Representa iniciantes no tráfico de drogas ou aqueles que testam a qualidade das drogas.
- Mago: Associado a usuários ou traficantes de drogas.
- Nossa Senhora Aparecida: Pode simbolizar latrocínio, homicídio ou violência sexual no sistema prisional.
- Mulher nua com genitália exposta: Utilizada por viciados em drogas injetáveis, comumente soropositivos.
- Figura da morte com foice: Representa justiceiros que executam criminosos.
- Índia: Identifica especialistas em roubo com armamento pesado, especialmente no Rio de Janeiro.
- Jesus: Indica indivíduos condenados a penas longas, geralmente envolvidos em latrocínio.
- Carpa: Símbolo predileto do PCC, indicando resistência ou status dentro do grupo.
- Amor só de mãe: Refere-se a relações homossexuais forçadas no cárcere.
- Cruz: Representa indivíduos reincidentes ou lealdade entre criminosos.
- Vida Loka: Simboliza pertencimento ao crime e indiferença às conseqüências de atos violentos.
- Serpente: Representa assaltantes traiçoeiros ou perigosos.
- Faca e/ou punhal: Indicativo de homicídios cometidos com arma branca.
Tatuagens e o Sistema Prisional
No sistema prisional brasileiro, as tatuagens possuem um papel ainda mais relevante. Muitas vezes, elas não só identificam a facção a que o detento pertence, mas também representam experiências pessoais ou feitos dentro do cárcere. Esses sinais podem ajudar na criação de alianças, mas também são usados como critério de exclusão ou retaliação entre grupos rivais.
Aspectos Legais e Periciais
No âmbito jurídico, tatuagens podem ser usadas como elemento de investigação criminal. Muitas vezes, elas ajudam a identificar vítimas ou suspeitos e podem fornecer pistas sobre a participação de indivíduos em facções criminosas. Por outro lado, também é importante lembrar que a presença de tatuagens com esses significados não pode ser usada isoladamente como prova de envolvimento em crimes, sob pena de violar princípios de presunção de inocência e de não discriminação.
Estigmas e Direitos Humanos
Pessoas com tatuagens associadas ao mundo do crime frequentemente enfrentam estigmas sociais e dificuldades na reintegração à sociedade. Isso reforça a importância de um olhar humanizado e da compreensão de que tatuagens não definem o caráter ou a trajetória de um indivíduo. Muitos ex-detentos optam por cobrir ou remover essas marcas como parte de seu processo de recomeço.
Conclusão
As tatuagens no mundo do crime são uma expressão complexa e multifacetada que transcende o estético. Elas representam um universo de códigos, histórias e experiências que, embora relevantes no contexto criminal, também devem ser analisadas com cautela e respeito pelos direitos individuais.
Entender esses significados é essencial tanto para profissionais do direito quanto para a sociedade em geral, pois ajuda a desconstruir preconceitos e a promover uma visão mais ampla sobre as dinâmicas sociais e culturais que cercam o mundo do crime.